quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Um Sonho Ou Realidade - Cap 23

A minha irmã Beth tinha um timing excelente, e um sentido de humor ainda melhor. Bem sabia que aquela cena, eu e o James deitados num fardo de palha não dava a melhor das ideias a quem nos visse. Mas estávamos de facto só a conversar, a minha irmã é que tinha o terrível hábito de ver coisas onde não existiam, ou simplesmente adorava envergonhar as pessoas, tal como o Richard.

- Estávamos só a conversar Beth. – Confirmei.

- A conversar…já ouvi chamar de muita coisa, mas conversar…nunca tinha ouvido.

- Beth, por amor de Deus, achas que toda a gente é tão perversa como tu? – Respondi á letra.

Ela ficou chocada com aquela insinuação, só por uns segundos. Ela sabia que era verdade, e sabia que eu sabia que ela pensava assim. Ela praticamente sonhava acordada com o Richard. Por trás de toda a aparência inocente que ela tinha, havia uma mente muito sem vergonha. Ela acabou por ir embora e deixou-nos em paz.



Levantei-me e o James ficou sentado a bocejar. Assim que me ergui senti uma enorme vontade de me espreguiçar e foi o que fiz. Ele fixou os olhos em mim, não com um simples olhar, mas com um olhar de um homem que via algo que gostava. Não fingi não reparar, gostava de o deixar embaraçado:

- Apreciando a vista? – Perguntei descaradamente.

- Tenho olhos na cara Belle, esperas que os feche? – Disse descontraído e atrevidamente.

Não consegui evitar soltar uma gargalhada. Ele não estava a ser dissimulado, admitiu que estava a olhar para mim, o que me agradou.

- É justo, acho eu. – Gozei – Ontem á noite vi-te quase sem roupa, estamos quites.

- Não podes chamar a isso estar quites… - Insinuando que não me tinha visto quase sem roupa.

- Bem, de qualquer das maneiras está a fazer-se tarde, espero dormir esta noite.

- Eu também, e tenho fome. Hoje estou definitivamente cansado…andei o dia todo preocupado com uma certa rapariga que resolveu desaparecer, vá-se lá entender.

Sorri-lhe apenas, não argumentei porque sabia que era verdade. Fomos á cozinha e eu preparei algo para nós os dois. A fome era tanta que comemos em silêncio, ou então era demasiado constrangedor. Admito que por vezes quando estava perto do James, ficava sem assunto, como que envergonhada, isso não era normal para mim. Olhar para ele e imaginá-lo como meu futuro marido deixava-me nervosa, intimidada e cheia de calor. Comecei uma conversa, o ambiente estava a deixar-me desconfortável:

- O meu pai e o teu ultimamente andam muito estranhos. Passam horas a confidenciar…sabes o que se passa? – Perguntei-lhe.

Ficou relutante em responder, mas acabou por ceder:

- Acho que estão preocupados com uma possível guerra. As coisas estão a tomar proporções críticas. – Confirmou as minhas suspeitas.

Há anos que havia uma disputa entre o rei e o seu irmão mais novo pelo trono de Stormhold, e sempre houvera um clima de paz efémera, pois tudo estava bem mas de um momento para o outro isso podia mudar. Uma guerra só traria desgraça. Tanto o meu pai como o Lord Hastings eram amigos de longa data do rei, desde os tempos de juventude, e se o rei lhes pedisse, eles juntar-se-iam á batalha. Não havia pensamento mais aterrorizador.

- Criticas? Porquê?

- Sabes porquê, se houver guerra todos os homens capazes de lutar serão chamados, isto está a causar uma grande inquietação entre os aliados…

- Sim, eu sei, só espero que não chegue a isso.

- Sinceramente, eu também. – Confessou.

- Tens medo de ir para a guerra? – Perguntei.

Ele não respondeu, mas riu nervosamente:

- Desculpa, é uma pergunta estúpida eu sei… - Admiti.

- Não é. Acho que a maioria dos homens fica entusiasmado, eu também fico, de certa forma, pela fama, glória e honra, mas a guerra não se define apenas pelas vitórias e sucessos, também tem um lado negro, a morte, destruição, demasiadas perdas... – Disse, dando um gole de cerveja como se atenuasse os maus pensamentos.

- Perder aqueles que mais amamos numa guerra é a coisa mais estúpida que pode acontecer…acho que não aguentaria perder mais ninguém.

- Estás a falar do teu irmão, o Matthew?

E mais um momento de silêncio, mas desta vez não devido a constrangimentos, mas sim devido a lembranças dolorosa demais para recordar. Aquele era um assunto delicado.

- Sim, ele era meu irmão mas também era o meu melhor amigo, a pessoa que mais admirava neste mundo. Quando ele morreu…parte de mim morreu com ele. Pensar que posso passar pelo mesmo outra vez…

- Não vamos pensar nisso agora, não vale a pena. – Tentou sossegar-me.

- Tens razão.

Falar sobre o Matthew era algo que eu simplesmente não fazia, trazia-me memórias demasiado dolorosas, tinha sido um golpe muito duro para a minha família, perder o herdeiro, o filho, o irmão. Tentava não pensar nele, ou então escolhia não ter pensamentos tristes, lembrando-me dos bons momentos e da pessoa maravilhosa que ele era.

Os dias nessa semana passaram a correr. Tive definitivamente um pressentimento que algo que estava para acontecer. Numa dessas tardes juntei-me á Beth e a Júlia para ir á vila ver o mercado e os festejos. O James e o Richard juntaram-se a nós, e levaram o Brandon para agradar a Júlia.

Eles vinham atrás de nós a conversar sobre coisas que para mim não tinham interesse nenhum, e nós íamos á frente vendo as barracas. Fui á tenda das flores cumprimentar uma jovem com quem tinha travado amizade, uma jovem chamada Rina:

- Lady Isabelle…

- Chama-me Belle, quantas vezes tenho de te dizer?

- Eu sei La… - Interrompeu. - Belle, mas custa-me habituar.

- Tens de conseguir. E a pestinha onde anda?

De repente ouvi uma voz doce chamar por mim cheia de entusiasmo. Era a Lily, a filha da Rina, correu para mim, para me abraçar:

- Belle! Que saudades.

- Eu sei, também tinha muitas saudades tuas, pestinha.

- Tens de passar cá mais vezes.

- Vou tentar.

- Tens  mesmo de tentar. – Disse sorrindo.

- Tens-te portado bem?

- Sim.

- Tens ajudado a tua mãe?

- Sim, juro, em tudo o que me pede.

Olhei para a Rina e ela confirmou, acenando.

- Assim é que é, estás a tornar-te numa linda menina, cada vez mais linda. Bem, tenho de ir, volto cá outro dia.

- Promete.

- Prometo.

Despedi-me delas e voltei para junto do grupo que esperava por mim. Eu não me importava de fazer amizades fosse com quem fosse, fosse rico ou pobre. Já a Beth não era assim, não por preconceito mas por não ser tão social.

- As pessoas gostam de ti. – Apontou o James.

- E eu gosto das pessoas, gosto de fazer amigos.

- É uma coisa boa.

- Porquê?

- Porque és da família que governa a cidade, as pessoas sentem-se próximas de nós através de ti.

- Nem me preocupo com isso, nem me lembro, e as pessoas também não, simplesmente simpatizam comigo.

- De qualquer das formas, é bom saber. Talvez gostem mais de ti do que de mim, do bastardo.

- Não digas isso, és boa pessoa e preocupas-te. Às pessoas não lhes interessa de onde vens ou quem és, desde que as respeites e trates como igual.

- És muito sábia, para uma mulher tão jovem.

- Já ouvi dizer que sim.

Continuámos o nosso passeio. A cidade estava muito movimentada, havia o mercado e algumas festividades. Perguntei-me se os guardas estavam a dar conta do recado. Passámos pela banca das peles e reparei na jovem que lá estava, era muito bonita e ficou muito contente por ver o James.

- Há muito tempo que não passas por aqui, como tens passado? – Perguntou ela.

- Não tenho muito tempo, e tu como vais?

- Vou bem, mas podia estar melhor se arranjasses mais tempo para me visitares. – Disse, muito á vontade, sem se importar com o resto das pessoas que ali estavam.

- Esta é Belle, a minha noiva. – Revelou-lhe o James.

- Olá. – Disse eu sem vontade nenhuma.

- Esta é a Tara, uma amiga de infância. – Esclareceu-me ele.

- Já tinha ouvido dizer, mas nunca pensei que fosse tão bonita, assim percebo porque andas tão ocupado. – Respondeu ela com má cara.

Esperei, sinceramente esperei, que aquilo não me fosse irritar, mas irritou. Começou a irritar-me levemente a maneira como aquela rapariga falava tão abertamente com o James, mesmo sabendo que estava noivo e mesmo comigo ali. Ele ficou a conversar com ela uns minutos, enquanto isso cada um foi para o seu lado, esperando, e eu afastei-me também.

2 comentários:

  1. Capítulo revelador, este! O querido irmão de Belle que partiu, o terror de uma possível guerra... São coisas que dão profundidade a uma história e a faz ficar mais interessante, mais humana.
    Humm, Tara. rumm. Quem é essa rapariga atrevida, heim! hehe

    ResponderEliminar
  2. Não podia ficar só escrevendo sobre dramas amorosos, tinha de dar mais história, mais vida a esta trama. =D

    ResponderEliminar