Agora já estava tudo esclarecido com a Mira, mas eu ainda tinha de ir para casa e enfrentar o Ash. Eu esperava que o embaraço acabasse por passar e que ele me facilitasse as coisas.
Ele facilitou bastante, cheguei a casa e ele não estava, senti um grande alivio. Comecei a preparar o jantar e antes de comer, fui tomar um duche, senti que precisava de limpar os meus pensamentos, desejei que eles fossem pelo cano abaixo juntamente com a água.
Vesti o pijama, jantei sozinha, depois sentei-me no sofá com um cobertor, pronta para a minha sessão de cinema, fosse o que fosse que estivesse a passar na televisão, tinha a noite toda e amanhã não ia trabalhar. Antes disso, o Ash apareceu com a Simi. Assim, eles decidiram fazer-me companhia e a Simi escolheu alguns filmes. Foi inteligente da parte dele trazê-la para tornar o ambiente menos constrangedor.
Ela sentou-se ao meu lado, aconchegando-se de baixo do cobertor e ele sentou-se no sofá pequeno, do lado direito. O que aparentava ser uma noite calma para mim, acabou por ser uma noite de cinema que se prolongou pela madrugada. As escolhas da Simi foram Divergente e Cinquenta Sombras de Grey, eu só tive direito a uma, escolhi um dos meus favoritos, Orgulho e Preconceito. Pensei que o Ash acabasse por se fartar, mas ficou até ao fim, até ouviu e participou no nosso debate de opiniões acerca das nossas escolhas.
- Aquele Four é um pedaço de mau caminho. - Observou ela. - Não concordas comigo Eva?
- Sim, é atraente sim. - Concordei sem cerimónias.
- Mas a desculpa dela para o ver sem camisola foi bem...rebuscada, pedir para ver a sua tatuagem. - Argumentou.
- O que podia a rapariga fazer? Invadir a banheira enquanto ele toma banho. - Saiu sem aviso da boca do Ash.
Não estava á espera daquele tipo de comentário, muito menos da parte dele. Aparentemente o episódio estava fresco na sua memória e ele não o ia esquecer tão cedo. Ele estava a meter-se comigo. A Simi não percebeu o contexto, e eu ri timidamente e abanei a cabeça em sinal de desaprovação.
- Acho que isso seria demasiado extremo, mas aceitável, quem não queria ver “aquilo” sem roupa e no banho. - Diz ela referindo-se a Theo James.
- Não tenho como discordar. - Respondi, referindo-me ao actor e a Ash ao mesmo tempo. - Um banquete para o olhar.
- Quando é que eu concordei que eras uma boa influência para a Simi? - Perguntou-me o Ash na brincadeira.
- E quanto ás Cinquenta Sombras de Grey? - Perguntou ela.
- Não estava mau, admito, no entanto não pensei que fosse mostrar tanta pele. - Respondi.
- Ainda bem que mostrou, se não seria bastante aborrecido, principalmente para quem leu os livros.
- Tu leste os livros Simi? - Perguntou o Ash.
- Claro que li.
- Mas não me lembro de me teres pedido permissão. Aquele não é o tipo de livro que quero que leias. - Argumentou ele.
- Não sou uma criança akri, apesar de ser mais velha que tu, estou a chegar á idade adulta, e vais ter de lidar com isso. - Respondeu ela.
- Devias seguir os gostos da Eva, ver e ler livros como Orgulho e Preconceito. - Sugeriu ele.
- Não leves a peito Ash, esse é um dos meus clássicos favoritos, mas eu também li os livros das Cinquenta Sombras de Grey. - Respondi com cautela.
Ele passou a mão pelo cabelo, inspirou profundamente e levantou-se:
- Viver com mulheres está a deixar-me virado do avesso. Quanto a ti Simi sugiro que os teus temas de leitura tenham um pouco mais de classe. E quanto a ti, tu já não tens idade de ler esse tipo de livros...
Ele ficou frustrado com a nossa conversa e retirou-se para o seu quarto, no entanto não deixei de notar que ele parecia incomodado, inquieto com qualquer coisa. Perguntei-me vezes sem conta o que queria ele dizer com aquilo. Eu ainda era jovem, o enredo não me assustava nem me intimidava, e os livros não tinha limite de idade. De qualquer das formas, as suas palavras ainda ecoava na minha cabeça.
Fiquei tão intrigada com o que ele tinha dito, que depois da Simi se retirar, decidi questioná-lo.
- Ash? Estás acordado? - Perguntei batendo á porta.
- Sim, podes entrar.
Entrei no quarto e olhei em redor. Desde que ele se havia mudado que era raro entrar ali, nunca sabia o que poderia encontrar. Sentei-me aos pés da cama e observei-o. Ele estava sentado, encostado á cabeceira da cama, com o portátil no seu colo.
- Passa-se alguma coisa? - Perguntou intrigado.
- Bem, sim, as tuas palavras deixaram-me a pensar, não consegui perceber o que querias dizer, e admito que isso está a tirar-me o sono.
Ele baixou o olhar para o computador e sorriu, o que me deixou ainda mais inquieta.
- Porque razão não deveria eu ler aquele tipo de livros? - Insisti.
- Porque é uma perda de tempo, não achas?
- Como assim? - Continuei sem perceber.
- Como hei-de explicar, o que seria melhor, ler sobre o assunto ou ter uma vida intima boa o suficiente para não ter a necessidade de ler sobre? - Explicou.
- Ah, então queres dizer que eu devia estar mais empenhada em viver, experimentar, pôr em prática em vez de me limitar a ler sobre o tema? - Perguntei, começando a fazer sentido das suas palavras.
- É exactamente isso que eu quero dizer. Se fizesses isso, nem terias tempo para pensar em ler sobre isso, ler nem sequer te iria passar pela cabeça. - Esclareceu ele com um sorriso malicioso.
- Eu não disse isso. Só queria que pensasses sobre isso, sinceramente era o que as pessoas deviam fazer. Ler sobre sexo ou fazer amor, não tem nada a ver, nem se compara com a experiência em si. - Respondeu, esforçando-se para não mostrar demasiado entusiasmo.
- Sim, acho que devia, mas não sei se estou pronta para o fazer, tenho um certo problema que me impede de confiar nos seres do sexo masculino. - Revelei.
- Porquê? - Perguntou curioso, fixando o olhar em mim.
- Porque nunca tive muita sorte com os tipos com quem me envolvi, e não estou com vontade de ser traída e humilhada de novo. - Disse, levantando-me com intenção de sair do quarto.
Ele gatinhou pela cama a tempo de me agarrar pelo braço e fazer-me sentar.
- O que aconteceu? - Perguntou agora preocupado.
Queria contar-lhe, talvez fosse ajudar-me a seguir em frente, mas ali estava o espécime que eu mais temia, que me havia transformado numa pessoa desconfiada, fechada ao amor.
- Há cerca de dois anos, ainda andava a estudar, conheci um jovem por quem eventualmente me apaixonei, saímos durante algum tempo, dois meses. Quando decidi que estava pronta para dar o próximo passo na relação, descobri que levar-me para a cama era o objectivo de uma aposta. Desde então não me envolvi com mais ninguém. - Consegui explicar sem chorar, pela primeira vez, talvez fosse um sinal.
- Lamento imenso que tenhas passado por isso, sei melhor do que ninguém o que é uma traição, mas eventualmente tens de seguir em frente, não podes deixar de viver a tua vida por uma coisa do passado. Como podes saber se a próxima pessoa que aparecer não te vai fazer feliz?
- Prometi a mim mesma que seria a primeira e a última vez que ia deixar que uma coisa daquelas me acontecesse novamente. E mantive a minha promessa, e quero manter...até que apareça alguém que me mostre o contrário. - Disse segura de mim.
- E já apareceu alguém que te fizesse considerar? - Perguntou intrigado.
- Não tenho a certeza, mas receio que me esteja novamente a meter com alguém que vai acabar por me magoar.
- O que te faz dizer isso?
- Porque ele já tem uma mulher na sua vida. - Confessei.
E eu disse mesmo aquilo tudo, não revelei detalhes por isso não esperei que ele fosse perceber a quem me estava a referir.
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