sexta-feira, 25 de julho de 2014

Um Sonho Ou Realidade - Cap 49

Quando o olhar dele se cruzou com o meu senti uma onda de entusiasmo varrer a minha alma. Ele sorriu e acenou com a cabeça. Mentalmente, ou através de uma empatia psíquica qualquer, fomos ao encontro um do outro.




- Não imaginava encontrar-te aqui… - Disse, ainda surpreendida pela sua presença.

- E porque não? Fora do trabalho tenho vida social. – Brincou ele.

- Pensei que festas não eram o teu forte, estou acostumada a encontrar-te apenas na livraria.

- Não vou a muitas, mas se a companhia for boa, conseguem convencer-me facilmente.

- Afinal não te conheço assim tão bem, chefe… - Conclui.

- Podemos mudar isso. Quer dizer, trabalhamos no mesmo sítio e passamos muito tempo juntos.

- Bem, desde que não sejas um assassino em série ou algo do género, por mim tudo bem. – Brinquei e ele deu uma valente gargalhada.

- Não, não sou, podes ficar descansada. – Disse, sorrindo.

Ficámos sem assunto demasiado depressa, para disfarçar o meu embaraço, olhei para as minhas mãos vazias á procura de uma bebida.

- Queres uma bebida? – Perguntou ele, quase que lendo os meus pensamentos.

- Sim, por favor.

- Vem comigo, eu sei onde o nosso anfitrião guarda o bom material.

Ele agarrou a minha mão e eu simplesmente fui atrás. Percorremos o apartamento todo até chegarmos ao local secreto:

- Aqui está. – Diz o James entusiasmado.

- Não tenho a certeza se deveríamos estar a fazer isto. Nem sequer conheço o dono da casa. – Comecei a dizer nervosamente.

- Mas eu conheço e sei que ele é um grande forreta, não te preocupes. – Confirmou com aquele sorriso maroto.

- Está bem, se tu o dizes… - Conclui pouco convencida.

O James estava a encher o meu copo com um belo vinho quando alguém entrou pela divisão a dentro:

- Procurando o bom material? – Perguntou um jovem, entrando á socapa.

- Sabes que sim. – Confirmou o James sem vergonha nenhuma.

- Estás acompanhado, desculpa não tinha intenção de interromper. – Desculpou-se o jovem.

- Caleb, não estás a interromper nada. Esta é a Belle, ela trabalha na livraria comigo. – Apresentou ele.

- Muito prazer Caleb. – Acrescentei.

- O prazer é todo meu acredita. Então tu és a Belle! – Diz ele, com um sorriso malicioso no rosto.

- Falando dessa forma parece que já me conheces.

- Aqui o nosso James fala muito em ti. Agora percebo o seu entusiasmo em ir trabalhar, aposto quando lá estava a Sasha não ias para o trabalho tão animado.

- Não ligues aos devaneios do Caleb, ele adora envergonhar as pessoas sempre que pode. – Advertiu o James.

- Claro, ignorem o Caleb, não liguem ao que ele diz, ele está sempre na brincadeira. – Resmungou. – Mas ele diz sempre a verdade.

- Acho melhor voltarmos para a festa. – Disse eu.

- Sim, é melhor. – Concordou o James.

E assim fizemos. Deixámos o Caleb para trás a resmungar. Ele era um tipo engraçado, com uma grande boca, pelo que entendi, mas parecia ser um bom rapaz.

- O teu amigo Caleb é um pouco desbocado…

- Um pouco…isso é ser modesto.

Durante a breve conversa com o Caleb, notei que houve ali um segundo em que James podia ter-se descaído, que podia ter cedido facilmente á tentativa do Caleb para o envergonhar, mas ele aguentou, não se deixou abalar. De certa forma, senti uma pontinha de desilusão, ainda que compreendesse que a conversa tinha sido embaraçosa para ele. Não esquecendo que o Caleb parecia ter tendência em exagerar, para que o embaraço tivesse mais efeito.

Quando voltámos para a sala, o primeiro olhar que caiu sobre mim foi o da Faye, que me olhava curiosa, com aquele sorriso manhoso na cara. Percebi que ela pensava que algo mais se estava a passar. Quem me dera que assim fosse. Deixei o James e voltei para perto dos meus amigos, não queria ser mal interpretada, mas não escapei ás perguntas da Faye:

- Onde estiveste? - Perguntou ela sem misericórdia.

- Fui procurar boas bebidas para variar a cerveja. - Respondi calmamente.

- Com o teu patrão?

- Fui com o James sim, mas foi só isso, buscar bebidas, nada mais, podes parar de inventar cenários.

Estávamos de conversa, quando me aparece o Caleb ao pé, de bebida na mão:

- Belle, queres dançar comigo? – Perguntou descaradamente.

- Dançar contigo… - Disse surpresa. – Claro, porque não?

Lá fomos os dois dançar, ao som de Midnight City dos M83.

- Não estava á espera disto. – Confessei.

- Pensei, agora que temos amigos em comum, que podemos nos conhecer melhor.

- Não vejo porque não. - Concordei.

- Exactamente. Ainda há pouco lá dentro, não estava brincar quando disse que o James falava muitas vezes de ti. E de certa forma vai mais animado para o trabalho.

- Não digas isso, tenho a certeza que ele não ia gostar de saber que estás a falar nisso. E ele vai animado para o trabalho porque faz o que gosta, e eu também. – Tentei defendê-lo.

- Não quero que penses que tenho más intenções, muito pelo contrário. Só pensei que devias saber e queria ver se conseguia arrancar-lhe alguma reacção. – Confessou ele.

- Ele não pareceu muito incomodado. – Disse um pouco desiludida.

- Logo veremos. – Prometeu o Caleb confiante.

Depois de terminar aquela estranha tentativa de aproximação por parte do Caleb, voltei para perto da Faye, e ela surpreendentemente tocou num assunto que eu não estava nada á espera:

- Posso fazer uma pergunta?

- Já estás a fazer uma…

- Belle! – Ralhou. – Tu estavas a falar a sério relativamente ao sonho que tiveste, não estava?

- Estava, mas porque te interessa isso agora?

- Tenho andado a pensar nisto, sei que pensas que não quero saber, mas eu sou muito observadora quando parece que não ligo nenhuma.

- Continua…

- Estás diferente. Quando me contaste do sonho vi que estavas a sofrer e desculpa por não ter acreditado.

- O que te fez mudar de ideias?

- Estavas um farrapo emocionalmente e agora estás mais animada, pelo menos desde que começaste a trabalhar. Então pensei que seria por estares a trabalhar com ele, o homem dos teus sonhos. - Apontou ela para o James.

- Fiquei animada com o trabalho e ainda não sabia que ele era o meu patrão. Mas por vezes penso, se trabalharmos juntos será um erro. Ele não me conhece da mesma forma que eu o conheço. Tenho medo de sair magoada desta história. – Confessei tristemente.

- Ou talvez não e possam fazer novas memórias, quem sabe. Tens de saber se estás disposta a arriscar, se és forte o suficiente.

- Sou maluca o suficiente para tentar, sabes bem disso. Se não correr da melhor forma, despeço-me e mudo-me para um buraquinho bem fundo e escondido, onde ninguém me possa encontrar. – Brinquei, fazendo a Faye rir.

Aquela conversa fez-me bem. Saber que a Faye afinal acreditava em mim deu-me mais confiança, e lá no fundo, deu-me uma certa esperança. Era bom saber que a minha melhor amiga não pensava que eu tinha um problema mental e que estava a alucinar. 

Além de me ter feito bem, aquela conversa também me deixou sedenta por uma bebida. Não era todos os dias que podia falar sobre aquele assunto com alguém, desabafar. Tirava mesmo um pouco do peso que carregava dentro de mim. Resolvi ir á cozinha buscar uma cerveja fresquinha e a caminho dei uma vista de olhos pela sala e não vi o James em parte alguma. Pensei que se tinha ido embora sem dizer adeus, mas acabei por encontrá-lo na cozinha, encostado ao balcão com uma cerveja na mão e uma expressão diferente na cara.

Já tinha vista aquela mesma expressão antes, nos meus sonhos, no dia em que o James se encontrou com o Andrew, na noite em que os Hastings deram uma festa. Ele viu-me e fixou o olhar em mim de uma forma estranha, não consegui perceber o que se estava a passar com ele. Pareceu-me que algo o incomodava, no entanto ele lutava intensamente para não demonstrar, e falhando miseravelmente. Eu conhecia-o, ele é que não sabia disso.

- Estás aqui sozinho, está tudo bem? – Perguntei ligeiramente preocupada.

- Vim buscar algo para beber. – Acabou por responder.

- Desististe do bom material? – Perguntei, numa tentativa de animar o ambiente.

Ele sorriu com a minha pergunta, como se não estivesse á espera.

- Não vamos abusar no anfitrião, não achas?

- Sim, concordo.

Agarrei numa cerveja e encostei-me ao balcão a seu lado, e ali ficámos em silêncio durante alguns segundos enquanto a cerveja ia para baixo e fazia o seu efeito. Mas ele logo arranjou tema para uma nova conversa:

- Então, o que queria o Caleb?

- Dançar, conhecer-me melhor. Ele diz que temos de socializar, já que temos amigos em comum.

- É tão típico dele. – Disse sorrindo.

- Ele é simpático e engraçado, naquela sua maneira estranha de ser… - Admiti, propositadamente.

O James olhou para mim de lado, de sobrancelha erguida.

- Achas que sim? – Perguntou, descontraidamente.

- Sim. - Admiti.

- Dirias que o Caleb é o teu tipo de homem?

- O quê? – A sua pergunta apanhou-me desprevenida.

- É só uma pergunta. 

- É simpático, giro, mas não, não faz de todo o meu tipo.

- Qual é o teu tipo? – Insistiu ele com normalidade.

- Tens a certeza que este é o tipo de conversa apropriada para o patrão ter com a empregada?

- Fora da livraria não sou o teu patrão, sou um amigo. De qualquer forma, estamos só a conversar, a conhecer-nos melhor, não há nada de mal nisso.

Naquele momento não soube o que lhe responder. Aparentemente ele continuava a ter aquele efeito em mim, de me fazer ficar sem palavras, mas não ia dar-lhe esse prazer.

- Não tenho nem procuro um tipo específico de homem. De qualquer das formas acho que é escusado continuar a procurar. - Respondi sinceramente.

- Porquê? - Perguntou intrigado.

- Porque não sei se o homem que eu quero existe.

Desencostando-me do balcão e deixei-o na cozinha, e fui em direcção á sala sem olhar para trás. Dizer aquelas palavras em voz alta fazia parecer a verdade mais real ainda. A meio do caminho ele alcança-me e agarra-me pelo braço.

- Dançaste com o meu melhor amigo, mas não dançaste comigo ainda.

- Se querias dançar bastava pedires. 

O James deu-me a mão e ali mesmo onde estávamos, a meio do caminho, entre a cozinha e a sala, dançámos. Ele tinha as mãos na minha cintura e eu coloquei os meus braços á volta do seu pescoço. Olhar para ele directamente era demasiado para mim, demasiado intenso e tentador. Para evitar qualquer tipo de fraqueza, encostei a minha cara á sua. Assim não teria de o olhar, nem de me sentir tentada. Devo dizer que os meus esforços foram em vão, ele era a tentação em pessoa. 

Aquele momento fez-me recordar quando nos conhecemos no meu sonho, quando ele me beijou pela primeira vez. Quis desesperadamente que ele recordasse, que se lembrasse de alguma coisa, de qualquer coisa sobre nós, de algum momento especial. Como podia ele não se lembrar? Tive um momento de frustração e depois percebi que estar perto dele não era psicologicamente saudável para mim.

Ele estava ali, mas eu amava e recordava outra pessoa que não estava ali. E sempre que estava perto dele, não era com ele que eu queria estar. Não podia continuar a alimentar a fantasia e muito menos continuar a alimentar a esperança. Mesmo que me permitisse envolver e construir novas memórias, o outro James estaria sempre presente, não era justo para este James que estava á minha frente, nem para mim.

Das duas uma, ou me esforçava por manter uma relação estritamente profissional e continuava a agir como se nada fosse ou tinha de me demitir e procurar trabalho noutro lado, longe dali. Permitir uma aproximação, naquelas circunstâncias, não era uma opção.

O seu timing era fenomenal, tinha decidido convidar-me para dançar logo quando ia começar uma música mais calma, de modo a que a distância entre nós fosse mínima. 

Como eu sentia saudades de estar assim, sentir o calor do seu corpo, o seu cheio. Senti-me tentada a passar os meus dedos pelos seus caracóis, não me atrevi. Apesar de tudo, sabia que tinha sido um sonho, mas não deixava de ter acontecido, mesmo que só na minha cabeça. As lembranças tinham ficado gravadas na minha memória. Eu não tinha forma de as apagar.

Quando a música terminou, custou bastante afastar-me dele, mas tive de o fazer e com um sorriso deixei-o e fui para perto da Faye. Vi ele voltar para perto dos seus amigos. Alguns minutos mais tarde, decidi dar a noite por terminada, despedi-me do meu grupo, acenei um breve adeus ao James e fui embora. Já não estava a fazer nada ali, tinha muito que pensar e uma decisão a tomar, aquele não era o sítio apropriado.

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