domingo, 20 de julho de 2014

Um Sonho Ou Realidade - Cap 48

Reinou o silêncio na livraria. Como não respondi, ouvi passos na minha direcção, sem saber de onde iam surgir. Encostei-me á prateleira, o meu coração disparou e os nervos estavam a causar-me uma ligeira dificuldade em respirar. Fechei os olhos e só voltei a abri-los quando ouvi a voz da Sasha:

- Estás bem? – Perguntou preocupada.

- Sasha…sim, estou bem. – Disse aliviada.


- Tens a certeza que estás bem? 

Aquela voz vinha de trás de mim. O pânico queria voltar mas tive de me mentalizar que não estava sozinha, não podia fazer figuras tristes, isso estava reservado apenas para mim mesma, não podia permitir que as pessoas normais presenciassem os meus devaneios anormais. Respirei fundo e voltei-me na direcção da voz:

- Sim, está tudo bem. - Respondi nervosa.

- Voltamos a encontrar-nos…

- Ah sim? – Perguntei fazendo de conta que a memória me falhava.

- No bar, na semana passada? – Esclareceu ligeiramente intrigado.

- Oh…sim, estou a lembrar-me. 

“Como poderia ter esquecido?”, Pensei.

- Bem, apresento-te o teu patrão. – Disse a Sasha.

Senti o rubor subir-me ao corpo e depois á cara.

- O meu patrão… - Disse, sem ter mais nenhuma palavra na ponta da língua para responder.

- Prazer em conhecer-te, sou o James… - Disse com um sorriso envergonhado.

- James…é um nome…interessante…- Estava a afundar-me depressa demais para o meu gosto, tinha de recuperar o controlo. Dei mentalmente uma estalada a mim própria e recompus-me - Eu sou a…Belle.

Ele ficou surpreso, mas aparentemente, soube disfarçar bem. 

- Prazer em conhecer-te.

- Igualmente.

Depois daquela apresentação bizarra, ele foi para o escritório e eu e a Sasha ficámos ao balcão a tratar do resto das coisas antes dela ir embora. Ela gostava muito de meter conversa, contava quase tudo sobre si, e esperava o mesmo em troca.

- Depois da gravidez vou voltar para a cidade, provavelmente. O meu Eric é muito citadino…

- O teu Eric? – Perguntei.

- Sim, o meu noivo. - Esclareceu com um olhar apaixonada.

- Sim, claro.

- E tu tens namorado ou noivo?

“Supostamente era para estar casada…com o meu patrão!!!” Pensei.

- Não, ainda estou á procura do homem certo. - Respondi sem revelar mais.

- A sério? Uma rapariga como tu, tão bonita á espera do homem certo? Devias andar rodeada de homens e de diversão.

- Estamos no sítio prefeito para dizer “não julgues o livro pela capa”.

Não entrei em detalhes, mas ela de certa forma percebeu.

- Não tens namorado mas tens um olhar apaixonado…estou errada?

- É…complicado, ele foi embora.

- Tu ainda o amas…

- Sim.

- Ele vale a pena?

- Valia, valia tudo para mim.

- Posso saber o nome dele?

- Ele chamava-se James, mas preferia não falar mais sobre isso Sasha, se não te importares. – Pedi educadamente.

- Não faz mal, eu compreendo. Tenho imensa pena de ir embora, gostei muito de te conhecer. Vais ficar aqui a fazer companhia ao nosso chefe. – Disse na brincadeira.

Depois das suas palavras cheias de segundas intenções, engasguei-me com o café que estava a beber e ela desatou a dar-me palmadinhas nas costas:

- Estou bem, engasguei-me, foi só isso.

- Acontece-me imensas vezes. – Revelou ingenuamente.

- Bem, este foi um dia…cansativo, vou para casa.

- Bem, até uma próxima vez Belle. – Disse abraçando-me. – Gostei de te conhecer.

- Não faças disto uma despedida, faz antes um até já. – Disse eu, devolvendo o abraço.

Ele voltou, junto do balcão e também se despediu dela:

- Vai dando noticias Sasha. – Disse abraçando-a também.

Ela saiu, e ficámos nós os dois em silêncio fitando a porta. Falo por mim quando digo que aquele foi dos momentos mais constrangedores pelos quais já tinha passado. Não sabia o que lhe dizer, e tinha imensa dificuldade em encará-lo, a minha vontade era de desatar a rir desalmadamente. Eu parecia mesmo uma maluca autêntica, acabada de sair do hospício.

- Bem, acho que também está na minha hora, amanha há mais! – Disse na brincadeira.

- Todos os dias há mais. – Respondeu igualmente.

Fui para casa, fiz o jantar e tentei relaxar, sem pensar nos meus problemas ou nas minhas fantasias parvas. Só podia haver uma explicação para isto. Num momento qualquer da minha vida, do qual eu não tenho memoria, encontrei o James, dai sonhar com ele. Deitei-me cedo e dormi surpreendentemente bem. Acordei bem-disposta, tomei um duche, fiz o pequeno-almoço ao som das minhas músicas preferidas, agarrei no jornal que estava na minha caixa do correio e levei-o debaixo do braço para poder consultar em algum momento de pausa no trabalho. Ao menos isso, eu tinha, um trabalho.

Foi uma manhã calma, em parte porque estava sozinha na loja. O meu patrão não se encontrava em parte alguma, o que era bom e menos distractivo. Escolhi uma rádio porreira para pôr música de fundo, afinal aquilo era uma livraria e não uma biblioteca, precisava de vida, animação. Almocei numa sala na cave, onde tinha frigorífico, micro-ondas uma mesa e quatro cadeiras, era acolhedora. Depois da minha pausa para almoçar voltei para cima para abrir a loja. Depois do almoço ele chegou.

- Então que tal correu o teu primeiro dia aqui sozinha? – Perguntou animado.

- Correu muito bem, tivemos bastantes clientes e dez encomendas?!

- A sério? – Perguntou surpreendido.

- Sim, eu tenho talento para estas coisas. - Brinquei.

- Sabia que sim. – Disse animado.

Ele sorriu e deu cabo de mim. Voltei ao trabalho, ao balcão a tratar da papelada das encomendas e o James estava no escritório a trabalhar também. Eu estava tão consciente da sua presença, que cada vez que ele se mexia na cadeira ou respirava eu ouvia. Senti algumas vezes que me observava discretamente. Tentava abstrair-me disso tudo, e quando estava perto alguma coisa acontecia para estragar tudo. Fui deixar-lhe algumas facturas em cima da secretária e do nada, uma música começou a tocar na rádio, quase que de propósito, a música que cantei na noite em que o nosso noivado havia sido anunciado:

When your soul finds the soul
It was waiting for
When someone walks into your heart
Through an open door
When your hand finds the hand
It was meant to hold
Don't let go
Someone comes into your world
Suddenly your world has changed forever
No, there's no one else's eyes
That can see into me
No one else's arms can lift
Lift me up so high
Your love lifts me out of time
And you know my heart by heart
When you're one with the one
You were meant to find
Everything falls in place
All the stars align
When you're touched by the cloud
That has touched your soul
Don't let go
Someone comes into your life
It's like they've been in your life forever
No there’s no one else’s eyes
That could see into me
No one else’s arms can lift
Lift me up so high
Your love lifts me out of time
And you know my heart by heart
So now we've found our way
To find each other
So now I found my way
To you
No there’s no one else’s eyes
That could see into me

No there’s no one else’s eyes
That could see into me
No one else’s arms can lift
Lift me up so high
Your love lifts me out of time
And you know my heart by heart
(Demi Lovato - Heart by heart)

Pousei as coisas na mesa e não tive reacção, recordei o momento sem o olhar, mas na sua presença, foi tão estranho. Discretamente voltei ao balcão como se nada fosse. Aquilo deixou-me triste. Aquele não era o meu James, tinha sido só eu a sonhar, a amar, a lembrar. Aquele era apenas um conhecido embora simpático, mas era só isso. Compreendi que nunca iria ter o que tivera em sonhos. Aquela era a realidade nua e crua.

Nessa noite, mais tarde, em casa, em frente do computador e decidi escrever a história dos meus sonhos, tal e qual como eu me lembrava. Meti os fones nos ouvidos, e sentada na mesa da minha salinha comecei a escrever, olhando de vez em quando para o relógio para não me descuidar com horas.

Escrevi e escrevi até não conseguir escrever mais. Parava para ouvir música e para encontrar as palavras certas para escrever, precisava que fossem perfeitas e que descrevessem na perfeição aquilo que sentia e que queria transmitir, não que alguém mais fosse ler a história, mas eu necessitava de a deitar para fora da minha cabeça, numa tentativa de libertação. Fiz uma pequena pausa, fechei os olhos e ouvi a música para me inspirar.

Como é suposto eu ir para o trabalho todos os dias e encarar esta pessoa? Encontrei o emprego perfeito para mim, a fazer algo que me dá realmente prazer. No entanto, as coisas insistem em não acontecer a meu favor. Será que fiz mal a alguém e não me lembro? Ainda assim, não sou pessoa de desistir. Estava disposta a tentar e ver como ia correr, na melhor das possibilidades acabo por aceitar a realidade, esqueço o assunto e continuo com a minha vida. Na pior das possibilidades, fico obcecada com o assunto, tenho de me demitir e dar entrada num hospital psiquiátrico.

Os dias passavam e saía de casa determinada a não lhe prestar atenção, a me limitar a manter uma relação estritamente profissional, mas quando ele metia conversa ou dizia aquelas piadas sem sentido que me faziam rir, a minha determinação ia por água abaixo. Tentava não olhar quando ele passava por mim, ou na minha linha de visão, mas ele era tão giro que não conseguia evitar, não conseguia fazer de conta que ele não estava lá. Depois tínhamos aqueles momentos em estávamos a trabalhar perto, lado a lado, por vezes encalhávamos um no outro. Outras vezes, calhava olhar inconscientemente para ele e os nossos olhares cruzavam-se. Sentia-me envergonhada, como uma adolescente na escola que tem de trabalhar com o tipo por quem sente um fraquinho.

Tentei comportar-me o melhor que pude nas circunstâncias que me foram oferecidas, sei que não me sai mal, apesar de me afastar do meu objectivo de esquecer o assunto. E á tarde, quando chegava a casa e fazia um apanhado do dia, sentia-me um pouco estúpida. Uma coisa tinha concluído, enquanto continuasse a trabalhar ali, não ia conseguir esquecer o James dos meus sonhos, já que este era a sua cópia, não só fisicamente, mas também a sua personalidade.

Os meus dias de folga eram como que um descanso para a minha cabeça, e para o meu coração. Estava sempre desejando que chegassem, mas depois estava de folga e ansiava por ir trabalhar. Admito que gostava da companhia dele.

Uma tarde, estava sozinha no armazém a etiquetar caixas com devoluções, enquanto o James estava lá em cima na loja. O tempo ali passava a correr, nem me tinha dado conta que já tinha passado da hora do fecho. Estava tão entretida a fazer as minhas coisas e a ouvir música, que torna qualquer tarefa mais agradável. Estava a tão concentrada a terminar as devoluções e a cantarolar que nem ouvi o James descer, só me apercebi quando ele falou:

- Nunca vi alguém ficar tão entretido e envolvido com o trabalho como tu… - Disse na brincadeira.

- E sabes o porquê?

- Porquê? - Perguntou curioso.

- Porque estou a fazer algo que gosto, isso faz-me feliz. Posso dizer que não sou daquelas pessoas que acorda de manhã e só de pensar em trabalhar lhes dá vontade de chorar. – Brinquei eu.

- Já tinha reparado nisso. Afinal de contas, és diferente das outras pessoas…

Disse aquilo e causou-me um deja vu. Lembro-me de ter tido uma conversa com o meu James sobre ele me considerar diferente das outras pessoas, principalmente das outras raparigas.

A livraria fechava ao fim-de-semana, o que me agradava imenso. O fim-de-semana livre é o que qualquer pessoa deseja, mas já se sabe que nem em todos os empregos se tem essa sorte. Na sexta-feira á tarde, na hora de fechar, ajudei o James a arrumar as últimas encomendas, a loja e a fazer o fecho, como sempre, mas ele ficou mais um pouco de volta da papelada.

- Então James, por hoje está tudo? – Perguntei eu. Dizer o seu nome era um tortura perigosa.

- Sim, acho que sim. Só tenho de dar uma olhadela nestes papéis antes de ir.

- Mas precisas de ajuda?

- Não, podes ir, está tudo controlado. – Diz ele, com aquele sorriso meigo.

- Está bem, então boa folga, bom fim-de-semana e até segunda-feira.

- Para ti também Belle.

E o meu nome nos seus lábios eram música para os meus ouvidos, fazia-me estremecer.

Deixei o escritório com um sorriso e fui para casa. Estava relativamente cansada. Afinal eram só duas pessoas a trabalhar, a semana toda, oito horas por dia, às vezes um pouco mais, desde manha cedo até á tardinha. Era bom, era algo que gostava de fazer, mas no fim do dia chegava a casa cansada. O que no fundo não era mau, caia na cama e dormia a noite toda de seguida. Um ciclo repetitivo de prós e contras.

No Sábado a Faye ligou de manhã a avisar que tinha feito uma marcação num restaurante para alguns amigos e amigas da faculdade que vinham de visita, e para eu estar pronta às oito que ela e o namorado passavam na minha casa para irmos juntos. Fiquei entusiasmada com a ideia, não sabia que o pessoal estava de volta, muitos deles só vinham a casa de tempos a tempos, era complicado conseguir juntar toda gente. Mas desta vez a Faye tinha conseguido arranjar isso.

Fomos todos jantar a um fantástico restaurante japonês. Como já tinha saudades de um bom sushi, de sashimi, aquelas massas com gambas e legumes, e claro o meu adorado gelado de chá verde. E a piada de ver estreantes a tentar comer com os pauzinhos, era imperdível. Depois do jantar, a Faye propôs irmos todos a uma festa de um conhecido, de um amigo de outro amigo que ninguém ouviu falar. Quase que de olhos vendados lá fomos, sem saber bem o que nos esperava. 

Chegámos á entrada de um prédio, com mais movimento que um prédio normal a uma hora daquelas e cujas janelas no quarto andar irradiavam luzes de várias cores, para não começar a falar na música que se ouvia á entrada. Para ser sincera fiquei um pouco preocupada com o barulho, não fosse alguém chamar a polícia, mas a Faye lá esclareceu que o anfitrião da festa era o dono do prédio.

O ambiente estava um máximo. Era de imaginar que estava a abarrotar de gente, mas não, tinha o número ideal de pessoas para que se pudesse dançar e movimentar á vontade. Descobri o motivo para tal, só podia entrar quem tivesse convite. Nenhum de nós tinha, mas a Faye tinha solução e contactos para todas as ocasiões. Ela tinha sempre uma solução, muitos recursos e contactos.

O primeiro passo foi arranjar bebidas para todos e depois atacar a pista de dança. Deixar-me levar pela música, era o meu forte, já há muito tempo que não me soltava, e dancei, dancei livremente como se só estivesse eu ali naquela sala enorme. 

Foi ai que o vi. Ele devia ter chegado pouco depois de mim, mas estava tão entretida a dançar que nem dei por ele chegar. Quando vi o James, ele estava a um canto da sala, rodeado de amigos, no entanto ele observa-me. Observava-me de longe, atenta e discretamente tal como me recordava, e o que o seu olhar sobre mim me fazia sentir, mal conseguia descrever em palavras.

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